Tuesday, February 9

Volto ao mar.
Porque chovia de manso como um choro sem revolta, porque o corpo, fechado há muito tempo estava húmido e frio, porque me sentei ali num canto de luz e de almofadas; porque abri um livro e li.
Volto ao mar porque a tempestade vai descendo sobre este país desinteressado que já nem discute, nem se impacienta com os preços, com a política. Aceita sem crítica, como se aceita a chuva mansa que cai hoje, há uma semana do céu, como se aceita o nome que nos deram, as coisas necessárias desta vida. E assim se vai correndo entre o dia e a noite, o levantar e o deitar, com os trabalhos costumados pelo meio, sem surpresa nem alegria de maior, emoção quase nenhuma, inteligência pouca, e a rara criação.
Mas num instante o mar quebra toda esta rotina e lembra. Faz lembrar feitiços e aparentes desordens, coisas esquecidas, próximos fins, que tudo acaba em espuma. E volto ao mar porque olhei mais uma vez os jornais do dia e da semana, e os mornos encontros e desencontros e as desencantadas guerras, as continuadas quesílias partidárias, as intrigas miúdas, o desgaste dos nossos dias políticos, a falta de imaginação destas gentes para superar o déjà-vu, para inventar novas formas de amar e de lutar, para inventar um novo crescimento com vitaminas até hoje insuspeitadas. As notícias não têm graça nem esperança, a verdade é reduzida, a má-língua é já só a última defesa, abundam os golpes baixos.
Nestas condições, impensável descortinar nos jogos políticos qualquer vibração, beleza, ou mesmo só o certo ritmo vital que os movimentos humanos costumam apresentar e por vezes nos comovem, por nos darem a medida do harmonioso desenvolvimento (embora feito de crises) de todas as coisas, como um desabrochar, um ir-se abrindo à luz - tal a flôr, que bem percebe de harmonias e destinos.
Volto ao mar, assim. Ele cumpre bem a finalidade. Aquece e anima quando os gelos descem sobre a alma e o vento empurra as folhas para o encontro, alegra o olhar, alegra o espiríto, vai inventando novas formas de amar, de aquecer.
Pela manhã, se quisermos, reavivamos a onda, pouco é preciso, pronta a receber vida, de novo, a frenética dança das invisíveis divindidades beberam a água das chuvas, e outra vez tudo será igual e desigual. Eterno, só fugaz na aparência. Meu mar, minha terra.

1 Teardrops:

Blogger Alice's Garden said...

Striky,
Acertas assim...
Foge das folhas diárias da gloriosa da Nação, avança por outros destinos. Aventura-te por esse mar ao pé do qual lês. Essas políticas que parecem não sair da silly season são um horizonte tão pequenino neste universo tão grande....
Take care, kiddow *

9:45 PM, February 12, 2010  

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