a ténue

Só te vi duas vezes. Apanhaste-me desprevenida. Foram os teus olhos ou o teu sorriso, as tuas feições. E não eras fácil de sorrir. Da primeira vez não nos falámos. Só te vi de pé. Olhavas para longe. Da segunda disseste-me que nada fazias, que nada pretendias fazer, que tudo seria inútil - Tinhas sido arrebatadamente alterada sem querer, num passado que fiquei a desconhecer. - Que gostarias de trazer um pouco de felicidade a alguém e não sabias como nem a quem.
É tão bom não saber nada. Foi logo disso que gostei em ti, de nada saber de ti. Não pretendias ser quem quer que fosse. Qualquer ambição manchar-te-ia para sempre.
(Cada pessoa é um mundo que desconhecemos. É tão estranho conhecer...)
Só te vi duas vezes. De onde vinhas? Do nada. Para onde ías? Para o nada.
(Somos feitos de nada, mas entre nós e deus não há ninguém.)
À saida vi-te de longe e ainda disse o teu nome para que o ouvisses.. Bem podias ser outra pessoa. Eu nada sei de ti. Pouco sei... Num instante o desejo tomou conta de mim. Desejo nem sei de quê. Não quero ser mais eu, a ténue sombra que de costas avança. Tu seguias devagar e não te viraste.