Friday, October 27

Não por mim, mas podia ser

Se não a tivesse visto novamente naquele dia, talvez a minha vida tivesse sido muito diferente. Esperei um mês pelo nosso próximo encontro e nesse mês não pensei em mais nada. Assim que nos encontrámos, ela virou-se de costas e pediu-me para lhe desapertar o vestido.

Ela deu um passo para sair do vestido, soltou os cabelos e beijou-me. Sentia-se tão livre dentro do seu corpo. O seu corpo, a sua liberdade. Eu tinha medo da maneira como ela me fazia sentir. Você diz que não somos plenos, diz que na verdade existem duas pessoas dentro de nós. Sim, éramos dois, mas éramos um só. Quanto a mim, sou dilacerado por grandes ondas. Sou vidro pintado de um vitral há muito estilhaçado. Encontro fragmentos de mim mesmo por toda a parte e corto-me ao tocar-lhes. Os verdes e encarnados do corpo dela são as cores do meu amor por ela, as partes coloridas de mim, são o vidro pesado e grosso do resto.

Todos os dias percorro o caminho que fizemos e tento encontrar as suas pegadas. Ela passou as mãos ao longo do quebra-mar. Sentou-me numa rocha de costas para o vento. Tornou generoso este lugar desolado. Uma parte dela perdura no vento, no mergulho da gaivota. Encontro-a quando olho, embora saiba que nunca mais a virei.

Sou um homem de vidro, mas não existe luz em mim capaz de brilhar sobre o oceano. Não guiarei ninguém até casa, não salvarei quaisquer vidas, nem sequer a minha própria.

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