Thursday, June 22

Levava a corrente

A fins de uma profecia sem reservas do advento.
Fiz-me quase igual a tantos outros. Dancei com tranças loiras. Sofrêgo, beijei dois olhos negros com quem, quase na clandestinidade, fiz amor. Tendo perdido a religião e recuperado a fé, abandonei discussões escatalógicas. Pedi perdão ao mar e devolvi-lhe a vocação. Porque, finalmente me liberto de todas as prisões, fizeram-me apurada para todo o serviço da pátria. E pensei desertar. De novo perdi a coragem porque ninguém me conhecia para os lados da fronteira. Assustada com a celeridade do tempo, fui bater às portas de uma praia com as dimensões de um convento.
... até que os dois olhos negros, que eu já tanto adorava, comigo dançaram, felizes, uma madrugada poema que eu jamais saberei descrever. Fui heroina! Arrecadei para sempre a memória - sórdida companheira de dias infelizes - no mais recôndito sótão dos meus antimemórias. Desci em liberdade cantada, ás portas da grande lisboa. Sentei-me resvés com o Tejo. Caminhei com a multidão febril, no vaivém das duas margens. Ganhei o hábito de embalar os olhos na torrente monstruosa, que escorre da terra para o oceano. Não sei quando Lisboa perdeu a novidade. Senti-me perdida, isolada. E ia crescendo em mim um medo estranho. Apertavam-se as entranhas, todas as vezes que me apontavam o rio.
E, um dia ou melhor, no findar de uma dessas tardes pasmadas em que cuspimos para a àgua e deixamos a esperança seguir na corrente, a realidade veio visitar-me num sono breve a que me abandonara no banco de um cacilheiro.

2 Teardrops:

Blogger tin tin said...

one teardrop.. uns olhos negros que assombram.

11:08 PM, June 22, 2006  
Blogger Desassossego said...

já li este teu texto algumas vezes mas sempre que vou para comentar tudo me parece pequeno e sem jeito...

7:15 PM, June 24, 2006  

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