Wednesday, February 22

Um esbracejar do seu lado crítico, direi agora, um esbracejar

"Sem memória esvai-se o presente que simultaneamente já é passado morto. Perde-se a vida anterior. E a interior, porque sem referências do passado morrem os afectos e os laços sentimentais. E a noção do tempo que relaciona as imagens do passado e que lhes dá luz e o tom que as datam e as tornam significantes, também isso. Verdade, também isso se perde porque a memória é indespensável para que o tempo não só possa ser medido como sentido."

J. Cardoso Pires -


E por ali ficou, anulado e discreto.
De modo que permanece deserto cheio de sobressaltos.
Anuncia um fim assustador...
Está distante, está mesmo longe. Que longe.
De resto, a desmemória não só o isolou da realidade objectiva como o destruiu, de sentimentos. Parece que perdeu os estímulos de aproximação.
Memória onde tu já ias, pergunto-lhe eu baixinho, a ele tal coisa estava-lhe vedada.
Daí a total indiferença em que navega à tona das emoções e dos afectos, uma idiferença extrema que, sucedesse o que sucedesse, não o levava (nem leva) a perturbar nem ao de leve das suas atitudes. Penso que na verdade, não sabe onde se encontra. A razão é essa.
Inacreditável. Esta viagem de passos perdidos.
Pensando-a a esta distância, admito que essa "perturbação" ou lá o que isso for, se possa dever a um eco da sua identidade do passado. Era bom que renascesse, voltasse à realidade e de-se pela "existência palpável", em que o mundo deixava de ser anónimo.
Era bom que voltasse à realidade com um sorriso a condizer com a sua sobriedade natural. Porque já não é mais... dá para distinguir. Nota-se à distância.
Aquela noite fora como se pairasse longe dali, presidindo a uma constelação de estrelas loucas a rolarem em céu aberto. Depreendi então, mais tarde, que não tinha sido novidade para ele. Para mim foi, mais uma, e de certo modo tomei-o como um adeus que me endereçava. Eu partia, sorte minha, ele ficava.
De ouvidos no escuro fiquei à espera que tudo acabasse. A cena amorteceu como se fosse a afastar-se e por fim veio o silêncio. Só então me dou satisfeita e recolho ao respirar compassada do sono.

4 Teardrops:

Anonymous Anonymous said...

Grande indirecta.
Isto é um "adeus"?
A culpa não é só minha, também é tua.
Não tens noção do que escreveste neste post...

8:15 PM, February 22, 2006  
Anonymous Anonymous said...

Grande sentimento!
Repito: grande sentimento!
Aqui está mais um post de Catarina. Aqui consegue revelar os seus sentimentos reflectidos... donde?
Comoves-me com as tuas palavras.
Leio-as com atenção.
Leio-as demais.
Talvez seja esse o meu erro.

Parabéns

8:22 PM, February 22, 2006  
Anonymous Anonymous said...

és só tu...
só tu.
Insensível.

8:24 PM, February 22, 2006  
Anonymous Anonymous said...

A memória que se apaga, que nos apaga, que nos destrói, como o Cardoso Pires e tu tão bem o expressam. Adorei!

E a propósito dum dos comentários: como é que se pode chamar "insensível" a quem expressa, precisamente de uma maneira tão sensível os seus sentimentos? É mesmo não perceber nada de nada...

5:01 AM, March 04, 2006  

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